Espaços habitáveis
Walmir Ayala, 1969
A Galeria Celina encerra com chave de ouro sua programação de 69. Inaugura amanhã às 21h, uma mostra dos últimos trabalhos de Ascânio MMM. O artista nasceu em Portugal, reside há muitos anos no Brasil e aqui se forma, ainda este ano, em Arquitetura. Seus trabalhos, que exorbitam de serem puramente quadros e nem se adequam ao âmbito da escultura, que são ao mesmo tempo objetos e organizamos, aproximam-se do espírito da maquete, ou seja, espaços espiritualmente (via optical) habitáveis. Não foram poucos os artistas que entre nós exploraram e pesquisaram o branco. Ascânio adotou o branco e a sombra, criou a participação do espectador a partir da posição assumida espacialmente diante de suas estruturas óticas. A ordenação das ripas, os ritmos criados numa espécie de desdobramento de formas rigorosamente simétricas, o planejamento neo-arquitetônico desses elementos de uma construção virtual e poética, somam-se para definir a linguagem do artista, sem dúvida um dos mais originais da arte nova brasileira.
Aproveitando a presença entre nós do crítico argentino Jorge Romero Brest, transcrevemos aqui um trecho de sua obra A Pintura Européia Contemporânea, aplicando-a às propostas de Ascânio MMM: “A ideia do mundo atual se constrói sobre a base do pensamento matemático que tende a uma objetividade racional e do pensamento psicológico que tende a uma objetividade irracional”. Ascânio domina o matemático e informa intensamente esta racionalidade de uma energia vital que testemunha o mundo claro e interior do homem que cria. Não estamos diante de um ser inanimado, por mais que seus brancos vibrem o asséptico e intato. Pelo contrário, este orbe pulcro e cheio de relevos matematicamente dispostos, revela o embrião poético da comunidade que, na opinião do mesmo Romero Brest, é, hoje, mais do que o homem, a medida de todas as coisas. Medida para servir o homem, acrescentemos, esta sabedoria contamina a arte, e especialmente as experiências de Ascânio, de um sangue universal, de uma comunicação transcendente. Esta é, sem dúvida, a melhor exposição da semana e uma das mais importantes do ano.