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Ascânio: juventude e compromisso

Francisco Bittencourt, 1969

(texto publicado no jornal Última Hora, Rio de Janeiro, em 14 de dezembro de 1969)

A Galeria Celina encerra seu ano artístico com um fecho de ouro. Ascânio MMM é um dos nomes mais representativos da vanguarda visual brasileira e foi o escolhido para esta exposição de encerramento que tantos elogios recebeu da crítica e do público. com um ano de vida, esta galeria de Copacabana, situada à rua Barata Ribeiro, 818, sobreloja, organizou mostra que se caracterizam pelo arrojo e desprendimento comercial. Iniciada sua nova fase com uma coletiva de objetos, apresentou a seguir Georgete Melhem, uma artista que se destaca em todos os salões onde se apresenta pela audácia criativa. Agora, afirmando-se definitivamente no movimento cultural do país, a Celina promoveu esta exposição de estruturas e objetos de Ascânio MMM, um jovem que incita o espectador a ser mais que mero recipiente de uma emoção. Seus trabalhos desencadeiam um ritmo que leva à participação e ao compromisso. Não se trata, portanto, de um jogo gratuito. Estamos diante de trabalhos que ligam o artista e o espectador, passando ambos a ser responsáveis pelos mesmos. Passou o tempo da fuga para a ilha. Estamos na época da colocação em causa dos valores formais e do nascimento de uma nova ética em que o homem, em conjunto, arca com as responsabilidades da construção de possibilidades para todos sobre a terra. É isto que Ascânio quer com seus trabalhos.

 

Retrato do artista quando jovem

Nascido em Portugal, Ascânio veio ainda criança para o Brasil e aqui fundou sua vida. Como todo jovem comprometido com a existência, ele acredita que sua missão é ajudar a reformar o mundo e fazer dele o nosso mundo, o que não é um sonho. Sua vida no Rio de Janeiro tem sido uma sucessão de lutas para afirmar-se. Este ano ele se forma em arquitetura e é também nesse campo que pretende dignificar a vida. Desde 1966, Ascânio apresenta seus trabalhos em diversos salões e esta é a sua primeira exposição individual. Notado pela crítica, já recebeu seis prêmios, inclusive a Isenção do Júri do Salão Nacional de Arte Moderna de 1968. Estudante de força, trabalhando oito horas por dia em uma firma de engenharia, Ascânio ainda encontra tempo para planejar seu trabalho artístico que sempre se impõe por um limpo e geométrico equilíbrio.

 

A arte como arma

Como diz o crítico Frederico Morais na apresentação da mostra, “o dinamismo de seus relevos não é espontâneo nem ocasional, melhor, não ocorre aleatoriamente, pois da estrutura da obra, integra seus programa. Tanto que, em um desdobramento lógico das possibilidades éticas de seus relevos, Ascânio passou a buscar certos efeitos de permutação, isto é, as áreas claras e escuras (concentração ou dispersão de ripas) tornam-se permutáveis face a posição do espectador ou da iluminação exterior”.

Como se vê, Ascânio é um representante autêntico dessa geração de artistas comprometida com a condição humana e a revolução técnica da nossa era. Sem ser tecnicista, ele é exato e enxuto nas suas construções e quer do espectador uma participação mais que simplesmente emocional ou ótica. As ripas, que são o elemento principal de seu trabalho, pulsão e vibram com os jogos de luz e sombra e é através delas que nasce o diálogo artista-espectador, sem retórica, necessário, lançando as bases de uma verdadeira comunicação e convivência entre seres humanos responsáveis.

É da proposta, no caso do trabalho de Ascânio, que nasce a necessidade. Incitado à participação, o artista enriquece o próximo e a si mesmo. Não é um desafio resultante do orgulho, é uma convocação social, de comunicação.

As construções de Ascânio propõem, e estão à altura da era espacial em que vivemos, e respondem. Obra de arte, círculo fechado, mas sempre trabalho do homem, impregnado das questões existenciais imanentes a ele.

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