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Um artista do resumo:
Ascânio MMM

Francisco Bittencourt, 1976

(texto publicado no jornal Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, em 19 de junho de 1970)

Observando por longo tempo as construções com ripas de Ascânio MMM, chega-se à conclusão de que não há nelas qualquer elemento gratuito. Além de serem o beau juste, são também um estudo de luz e sombra que, variável, pode ser levado a todas as consequências possíveis dentro desse campo a modificação externa da luz é que modifica o trabalho.

A limpeza total, o branco, o aspecto formal e intocado das peças confrontam-se com
a participação dos elementos externos. Nada mais contemporâneo. Quando o mundo se desloca para pólos de quase insuportáveis pressões, esta talvez seja uma das soluções mais consequentes para o funcionamento artístico. Não vemos, portanto, qualquer preocupação de esteticismo puro neste artista que luta há cinco anos com suas ripas e todas as possíveis soluções para as mesmas. A arte, que se reencaminha para o terreno ético, de onde nunca deveria ter saído, tem sua medida não só nas fileiras da contestação aberta frente às correntes anteriores, mas principalmente na preocupação de transformar a face do mundo através de uma linguagem despojada de elementos estéticos, se se tomar a estética como ela tem sido entendida até hoje: um elemento
de pura beleza. Dessa revolução de linguagem, certamente nascerá um processo de completo divórcio entre estética e ética, para uma posterior fusão dos dois conceitos, quando então surgirá a arte nova, produto de um novo pensamento e de um novo modo de vida. E Ascânio MMM está entre aqueles que tomaram a dianteira.

 

Ele mesmo diz em seu depoimento sobre o trabalho para o Resumo JB: “Não importa o material. Amanhã poderei estar trabalhando com terra ou pano ou acrílico”. Realmente, o material não deve contar. O importante é a atuação do artista sobre ele, a transformação desse material em termos de experiência e situação. E é só levando
às últimas consequências a atuação sobre a sua matéria-prima que o artista obterá a forma válida de expressão de pensamento. O resto é futilidade.

Os caminhos da arte estão abertos, e Ascânio sabe disso, se no fenômeno artístico sempre haverá uma fração de inconsciente, a maior quantidade de franções do todo
se comporá da consciência do criador.

São estes passos firmes e seguros que observamos na evolução da obra de Ascânio MMM. Do abstrato quase informal de suas primeiras esculturas, feitas com cubos pequenos de madeira, ele evoluiu para uma severa contenção rítmica e uma alusão
ao lúdico, como nas caixas de esquadros móveis que apresentou na Galeria Celina,
em fins de 1969.

Agora, para este Resumo, o artista preparou uma representação de cinco peças,
onde o lúdico não tem mais vez, sendo substituído por um rigor que só permite a participação da luz, da simbra e da visão. Por outro lado, as peças agigantaram-se, com conotações claramente arquitetônicas e de caráter grandioso, mas continuam projetadas com ripas de madeira. As ligações de Ascânio com o construtivismo são claras, mas também é clara sua atração por uma arte nova, nuca, destinada ao meio ambiente do homem.

Das suas medidas futuras nada se pode prever, mas acreditamos que esse criador, que faz da disciplina um método artístico, passe a aproveitar suas criações em projetos de caráter habitável, tendo ligações com o lazer humano.

Mas o importante não é isso – as lições sobre o futuro. O que lhe desejamos é que continue no seu dia-a-dia, pesquisando até o mais profundo seus teoremas de luz e sombra, abertos ao jogo dos elementos e portanto espraiando-se pela vida.

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