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Ascânio: tese e antíntese

Francisco Bittencourt, 1976

[texto publicado no catálogo da exposição individual de Ascânio MMM na Galeria Arte Global em São Paulo, de 1 a 18 de junho de 1976. Esse texto foi publicado na coluna “Artes Visuais” do jornal Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, em 28 de maio de 1976. Uma versão ampliada foi publicada pelo autor no jornal O Correio do Povo, Porto Alegre, em 3 de julho de 1976]

“É um ato de construção: tijolo em cima de tijolo”. Ascânio define com essa frase seu trabalho de escultor. A associação não poderia ser mais clara com a formação de arquiteto do artista. E, de fato, toda a sua obra tem como base o rigor arquitetônico. Assim, o ciclo criativo ´´aberto com o estudo de módulos em escala reduzida, as maquetas, com os quais o escultor projeta e calcula a forma e o tamanho de cada peça, não deixando margem para qualquer tipo de possível dispersão.

Quase toda a obra de Ascânio vem sendo produzida em madeira. O alumínio já foi usado em dado momento – com ele foram feitos aglomerados, colmeias que se repetiam, diminuindo gradativamente de volume até chegar ao vértice, formando cortes transversais de pirâmides – com resultados bem diferentes do que foi conseguido até agora em madeira, e o artista diz que vai retomar a pesquisa com esse metal para a mostra que fará no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em agosto.

Nesta exposição de São Paulo, a madeira é o único material usado. Acredito ser esta uma ocasião duplamente importante na carreira de Ascânio. Nas suas próprias palavras, é a primeira vez que se empenhou com a necessária antecedência na preparação e planejamento dos trabalhos a serem expostos, e, segundo, porque está mostrando aqui os passos iniciais de uma nova fase, a meu ver bem mais complexa. Não que ele já tenha esgotado todo o potencial das ripas de madeira pintadas de branco, tão singulares na sua obra, e com as quais soube criar formas que nos proporcionaram surpresas quase inesgotáveis no seu sóbrio jogo de concavidades e convexidades. As ripas continuam, assim como as espirais, partindo de um ponto fixo. Mas era natural que a pesquisa se aprofundasse e o artista começasse a procurar novas estruturas para nelas desenvolver seu pensamento. E é assim que, das 16 esculturas desta mostra, cinco apresentam novas características. Pode-se dizer que são feitas de duas partes, que têm tese e antítese, pois conjugam a maciez da voluta com a força do ângulo reto, a forma enovelada com o vazamento bem demarcado, e, igualmente importante e surpreendente como efeito, a asséptica madeira lixada, emassada e pintada com a madeira crua. À medida em que evoluciona, o artista ganha mais visão e capacidade de abrangência, ao mesmo tempo em que consegue resultados mais claros e simples. Ao acoplar a reta ao volume sinuoso que o definiu até agora, Ascânio assumiu uma nova posição frente ao seu trabalho e passou a exigir do espectador um outro enfoque. Não há nada de casual nisso. Significa uma outra cisão do mundo, ampla e contraditória. A arte, como cultura, faz parte dessa totalidade que é o mundo em que vivemos. O artista não tem que produzir somente beleza. O belo, apenas, é pueril: deixemo-lo para os puristas. A arte tem muitas faces, inclusive a estética. Ascânio sabe disso e, dialeticamente, partiu para o desafio de ligar formas diferentes e até conflitantes num delicado equilíbrio. Sem subtrair nenhuma das exigências que se fez até agora – ao contrário, aumentou-as – e com a fatalidade do verdadeiro criador, ele reinventa corajosamente todas as suas concepções e nos dá, nesta exposição, uma demonstração vigorosa de que está disposto a realizar uma obra plena e íntegra, com raiz no real e destinada a influir no homem.

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