Aracy Amaral, abril de 1997
[texto para a exposição individual de Ascânio MMM no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, de 14 de maio a 8 de junho de 1997]
Num ambiente como o brasileiro, pleno de artistas recém-aparecidos, todos ansiosos por se projetar em nosso mercado instável e incipiente, é interessante tentar nos deter diante de um escultor que, ao longo dos anos, desenvolve uma linha de trabalho que se busca coerente, porém artista não pressionado pelo efêmero da glória dos quinze minutos.
Ascânio MMM pode ter abandonado a prática da arquitetura há 20 anos, porém a marca da formação profissional como arquiteto transparece em seu trabalho, em particular nas obras mais recentes. Suas concepções cinéticas e/ou provocativas à participação do observador, já assinalam em fins dos anos 1960, o domínio – próprio do arquiteto – na organização do espaço, como ele é perceptível na manipulação do material selecionado. Esse dado é também visível, seja nos painéis em relevo, seja nas peças em ripas de madeira revestidas de pintura branca – contemporânea de suas Caixas, que podia ser ativadas pelo espectador, alterando sua visualidade; nas quais luz
e sombra desempenham papel preponderante.
Também dos objetos tridimensionais dos anos 1980, em que o cedro, a maçaranduba ou o pau-marfim são expostos na nobreza de sua cor, parede emergir uma ambiguidade ou miscigenação bem-vinda, no desejo de projetar a beleza da madeira manipulada simultaneamente ao projeto do objeto construído. Como se Ascânio concebesse, nesse período, peças com refinamentos de designer para um fim utilitário, sem a preocupação da funcionalidade de suas estruturas autônomas, rigorosamente executadas, a calidez do lenho a se contrapor à exatidão das formas de corte geométrico, já prenunciando as pirâmides em alumínio anodizado.
A série Piramidais, analisadas recentemente com grande sensibilidade por Fernando Cocchiarale, quando executadas em perfis de alumínio me trazem à mente as arquiteturas visionárias do século XVIII, ou mesmo a pseudo-arquitetura de Mathias Goeritz, com suas grande pirâmides à entrada da Cidade Satélite no México de três décadas atrás. Ou seja: nos reporta, sem dúvida, à forma arquitetônica utópica, à arquitetura desprovida de função, ou seja, a arquitetura inútil. No caso de Ascânio, contudo, ele não as projeta, em suas múltiplas versões de “variação sobre um mesmo tema”, como se diria em música, cogitando de arquitetura, porém, pensando-as enquanto estruturas modulares exemplares. Como alter ego de um arquiteto que projeta edifícios/torres para um novo centro urbano, as Piramidais – que sempre nos pareceram estudos para construções gigantescas – oferecem-se à leitura como propostas para a funcionalidade interna a ser criada a partir de sua estrutura concebida. O que não deixa de se configurar, por outro lado, como anseio de inseri-las no contexto das utopias da Modernidade sempre viva, módulos para um ambiente urbano impecável neste caótico fim de século.