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A forma e a mão

Alexandre Pomar, 1995

[texto publicado no jornal Expresso, Lisboa (Portugal), 3 de junho de 1995]

Nascido em Portugal (1941, em Fão), Ascânio MMM é um escultor brasileiro que prolonga e renova uma forte tradição construtivista enraizada na América Latina e que tem os seus pólos históricos principais na Argentina, na Venezuela e no Brasil. Torres Garcia, regressado ao Uruguai em 1934, exerceu uma influência marcante na implantação de uma estética assente na invenção de formas de base geométrica, que reconheceria outro impulso dinamizador com Max Bill, já na viragem dos anos 1940-50, desmultiplicando-se entretanto em variantes nacionais de longa eficácia. Em torno da ideia de arte concreta, com origem em Theo van Doesburg, em 1930, recusavam-se as implicações espirituais ou ainda representativas do termo “abstração”, sublinhando com um evidente rigor ético a determinação própria de um trabalho exclusivamente desenvolvido a partir de elementos puramente plásticos, sem outro significado que a eficeacia do plano, do volume ou da cor.

No Brasil, os movimentos da arte concreta e neoconcreta, nos seus eixos implantados em São Paulo e no Rio de Janeiro, imporiam a partir dos anos 1960 a especificidade de um construtivismo distanciado dos modelos europeus, que tentava reincorporar o subjetivismo e o orgânico na prática não-figurativa – sublinhando Frederico Morais a sua recusa do purismo ascético e da neutralidade ideológica, em convergência com período de expansão econômica e de experimentação social. Dessas diversas etapas poderosamente inscritas em grande parte da criação artística brasileira, ultrapassando variações cíclicas de superfície, têm sido vistos testemunhos diferenciados nas exposições recentes de Sergio Camargo, Hélio Oiticica e Manfredo de Sousanetto.

Quanto a Ascânio MMM, uma primeira exposição apresenta-o já em 1989 na mesma galeria, através de um conjunto de trabalhos que permitia, aliás, seguir a consistência
do seu itinerário criativo desde 1968, partindo de peças de madeira uniformemente pintada de branco cuja dinâmica estrutural se conjugava com possibilidades de variação cinética. Agora exibem-se apenas esculturas (intituladas Piramidais) que se situam numa mesma linha de pesquisa definida em torno da configuração espacial da pirâmide, realizadas de 1991 a 95, acentuando-se nessa permanência formal a importância de uma interrogação sobre a escala dos objetos, bem como a afirmação da sistematicidade da pesquisa, da elementaridade estrutural das construções e da presença física do material, a madeira.

Numa peça final e isolada, de maior dimensão, acompanhada por estudos desenhados, observa-se também a passagem da madeira ao metal, através do uso de uma outra estrutura modular, perfis de alumínio anodizado aparafusados, que inaugura novas questões de vazio e transparência. Parte essencial da obra de Ascânio MMM realiza-se na atualidade através da intervenção em espaços públicos, em conjunçãoo com
projetos arquitetônicos ou de decoração urbana, e é por isso desenvolvida em peças
de grande vulto.

Utilizando em geral ripas de madeira coladas, de muito pequeno perfil, o escultor alia o uso sistemático de elementos simples e uniformes com a permanência de uma dimensão artesanal que é muito evidente nos seus objetos, nos quais se experimenta a eficácia plástica de formas que não partem de um nível conceitual ideal construído precisamente como um fim em si mesmo. A dimensão construtiva não se conjuga aqui com a frieza calculada do trabalho da máquina, em oposição a outras práticas escultóricas de origem geométrica.

Erguidas sobre bases que partem do ângulo formado por dois planos, do triângulo,
do quadrado, do xis ou de outras configurações primárias, os volumes ensaiam a sua vocação arquitetônica numa variável referência à pirâmide e em movimentos ascensionais a que se podem atribuir sentidos simbólicos comuns a outras construções universais. Por outro lado, se a experiência dos materiais é estruturante da inventividade arquitetônica, notar-se-á que a presença da madeira não pintada transporta, nos nós e veios das superfícies de corte, a visibilidade de efeitos de vibração pictural e a referencia à sua origem natural, sentidos que se impõem em simultâneo com a elegância geométrica das formas.

No seu desdobramento volumétrico, as formas piramidais mobilizam uma relação muito física com o espectador em movimento, na sucessão imprevista das situações de vazio, de parede lisa e de interior-exterior. Exprimindo uma relação afirmada com a arquitetura, as peças de Ascânio MMM são marcações numa situação ambiental e nessa medida são intervenções utópicas num espaço socialmente partilhado.

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